Poucas coisas na vida me doem tanto quanto o fato de não ter podido me defender. Perdoei traições sem guardar mágoas. Superei perdas sem ressentimentos. Já perdi as contas de quantas vezes fui excluída, difamada e injustiçada. Aguentei tudo calada, sem desejar o mal de quem me desejou o pior. Parei de tentar me justificar. Falariam de mim independentemente do que eu fizesse. Não havia maneira de evitar. Mas o que mais me doeu foi nunca ter tido o direito de contar a minha versão. De ser ouvida. De ser protegida.
Essas experiências me deixaram marcas profundas. E vieram de pessoas que eu amava, confiava e esperava que tivessem consideração por mim. Por muito tempo, vivi à beira de um abismo emocional, como se eu nunca estivesse completamente segura perto de ninguém. Sempre à espera do próximo ataque, mesmo quando eu estava fazendo tudo certo e simplesmente seguindo com a minha própria vida, sem prejudicar os outros. Cheguei ao ponto de me sabotar, porque acreditava que assim não iriam me atacar — e nada adiantou. Estando bem ou mal, fazendo certo ou errado, eu continuava sendo alvo.
Eu nunca quis ser vista como vítima, e por isso aguentei tudo sozinha. Cansei de lutar. Qualquer tentativa de me defender era invalidada e usada contra mim mesma. E, para não ser colocada nesse lugar de frágil, exagerada, dramática ou ressentida, não me permiti sentir nem raiva nem dor. Eu achava que isso me fazia forte, quando, na verdade, me deixou sobrecarregada de culpas que não eram minhas.
Ignorar essa dor quase destruiu minha autoestima. Por mais que eu me esforçasse, não me sentia digna de receber o que eu merecia. Parecia que nada do que eu fizesse seria o suficiente. Eu me sentia cansada, frustrada e profundamente sozinha, como se o mundo estivesse contra mim. E quanto mais doía, mais eu me castigava por sentir. O medo que eu carregava parecia irracional, mas era ancestral. Era o medo da fogueira. Aquela que queimou mulheres como eu: livres, fortes, autênticas e sensíveis. O medo de ser silenciada mais uma vez. O medo de ser humilhada por simplesmente existir. O medo do linchamento público por me permitir sentir.
Isso fez com que eu me escondesse para ser aceita. Fiz tudo conforme manda o figurino e acabei me perdendo na personagem. Depois de um tempo, eu já não sabia mais o que era real em mim e o que eu havia inventado para agradar. Era minha forma de me proteger, de mostrar que eu não queria incomodar, de tentar passar despercebida. Mas não consegui. Por mais que eu resistisse, não havia maneira de fugir de mim. Por baixo de todas as camadas, lá no fundo da minha alma, meu Eu existia. Silenciado, mas não vencido. Esquecido, mas não perdido. E gritava não por atenção, mas por justiça e verdade. Por dignidade. Por um lugar onde eu pudesse respirar sem me justificar. Amar sem me proteger. Viver sem medo de ser quem eu sou.
Demorei um tempão para entender que eu não me coloquei nesse lugar — eu fui colocada. Eu estava tão identificada com a culpa, sendo tão dura comigo mesma, que, somente ao pensar “eu fui colocada”, uma voz dentro de mim retrucava: “porque você permitiu”, me impedindo de sair desse ciclo de autopunição. Mas a verdade é que não permiti nenhum abuso, ataque ou injustiça que eu vivi. Simplesmente aconteceu como parte da minha jornada de aprendizado, como um catalisador de eventos para o meu crescimento, como um chamado para retornar a mim mesma.
O que eu, sim, permiti por muito tempo — e ainda estou aprendendo a me perdoar — foi que essas situações definissem quem eu sou. Permiti que me limitassem e permaneci às margens de mim mesma, com grandes sonhos, mas passos em vão. Andando em círculos, insistindo em caminhos que nunca foram meus, em pessoas que nunca quiseram estar ao meu lado. Duvidando de mim mesma, me comparando a outras pessoas, rejeitando a minha verdade, a minha história e até o meu corpo. Em uma busca oculta e inconsciente de ser vista, reconhecida e, por fim, aceita.
Permiti que o que pensam sobre mim se tornasse real. Permiti calar minha voz para dar ouvidos aos outros. Permiti me sacrificar por quem jamais me viu. Fui além dos meus limites. Assumi fardos que não eram meus. Me moldei à boa menina, à boa filha, à boa amiga. Permiti que o desejo de pertencer fosse maior do que o desejo de ser. Do que minha identidade. Do que minha própria verdade.
Culpas e mais culpas. Eu, uma grande juíza de mim, reproduzindo todas as regras que me ensinaram: proibido falar. Proibido receber ajuda. Proibido sentir. Porém, nessa jornada, eu tenho uma aliada: a escrita. Quando escrevo, eu me permito ser quem eu sou e acessar as partes mais profundas e escuras da minha alma sem julgamento. Eu escrevo para libertar a minha voz interior. Para manter a minha sanidade. Para me reconectar com minha essência.
Hoje, eu me permito sentir a dor da exclusão, da injustiça e do desamparo. Eu dou colo à minha criança que se sentiu desprotegida e vulnerável. Eu valido meu direito de sentir e não permito mais que tirem isso de mim. Essas emoções são a parte mais humana de mim e me lembram constantemente de quem eu realmente sou. Eu não sou as minhas emoções. Eu sou o que eu aprendo com elas. A culpa é um sentimento muito pequeno perante quem eu sou, mas também é parte do meu ser, da minha humanidade e do meu crescimento espiritual. Eu aceito o que foi como foi. E me aceito como eu sou. Faço o melhor que posso, porque não sei fazer diferente.
Aqui, em meu espaço seguro, não há punição, não há castigo e nem represálias. Ainda que alguém, quando me leia, me ataque, será em vão. Porque eu já escrevi antes e, com isso, me fiz livre. Então, goste ou não do que eu escrevo, já não estou mais aqui para receber seu desagrado. Deixo minhas palavras contigo porque te pertecem, porém eu já fui. O que você sentir em seu coração, é seu. Escrevi para tirar de mim o peso de ser mulher, de ser filha, de ser sacerdotisa e de ser bode expiatório. E agora estou leve.
Estou livre de todas as camadas que já não servem mais para mim. E posso existir plenamente em quem eu sou: pura consciência em expansão em um templo humano de aprendizado. Honrando meu passado através da minha presença. Manifestando meu futuro com amor, verdade e valentia. Eu sou o que fica quando tudo se vai. Eu sou o princípio e o fim. Eu sou o que nunca se foi, que é eterno e infinito. Eu sou inteira, ainda quando estou fragmentada. Eu sou a totalidade do meu ser em cada centelha. Eu sou o amor que sublima a dor. Eu sou a luz que não se apaga. Eu sou o que eu sou, mesmo que ninguém veja. Eu, grande juíza de mim, me declaro inocente, valiosa, necessária e sagrada. E assim, me dou absolvição. Não para esquecer o que vivi, mas para reconhecer que sobreviver foi um ato divino. Eu me pertenço. Eu me reivindico. E sigo em paz.